Eunice Maia X Companhia – Desafio #6: A pirâmide dos R’s

Na semana passada falámos sobre Bea Johnson e sobre como o seu percurso e estilo de vida nos inspiram. Fundadora e porta-voz internacional do movimento “zero waste”, Bea criou uma metodologia que nos ajuda a produzir menos lixo – o modelo dos «R». É um “mantra” simples, mas revolucionário, baseando-se em cinco passos:

«Recuse aquilo de que não precisa; reduza aquilo de que precisa; reutilize aquilo que consumir; recicle o que não puder recusar, reduzir ou reutilizar; e composte (“rot”) tudo o resto.» (2)

Quando refleti pela primeira vez sobre esta perspetiva e esta proposta, percebi o seu poder e o seu carácter disruptivo. Na verdade, não podemos continuar a produzir e a consumir e a reciclar como se não houvesse amanhã e como se os recursos fossem inesgotáveis. O problema não está apenas na forma como descartamos (crentes de que estamos a «deitar fora» e a fazer sumir o desperdício), mas, sobretudo, no modo como consumimos (desenfreadamente). 

O momento em que me apropriei do que acabei de enunciar foi decisivo para a minha mudança. O que mais me fascinou nesta hierarquia foi o facto de ela, na sua simplicidade e sequência lógica, nos dar tanto poder.

Recusar (no topo da pirâmide, o primeiro nível) é, talvez, a ação mais simples de todas, aquela que mais diretamente depende de nós e está sob o nosso controlo exclusivo, no entanto, eu raramente a punha em prática —por medo de ferir a suscetibilidade dos outros, de confundirem o meu «não» com má educação ou arrogância. Curiosamente, o «não» (que podemos aplicar a coisas, sentimentos, relações, pessoas), sempre dito com gentileza, é libertador e dá frutos imediatos. E é impressionante a quantidade de resíduos que evitamos. Ganhamos espaço em casa – e na vida! – para o que realmente importa. Mais, o «não» abre também muitas vezes a via do diálogo, da discussão e da explicação, que podem levar (ou não, tudo bem) à mudança de comportamentos por parte do(s) nosso(s) interlocutor(es).

 

PEQUENA LISTA DAQUILO A QUE PODEMOS DIZER «NÃO, MUITO OBRIGADA!»

  • Recusar brindes e amostras em lojas, eventos, conferências.
  • Recusar publicidade na caixa do correio (colocar autocolante).
  • Recusar descartáveis (talheres, palheta do café, copos, louça…).
  • Recusar produtos desnecessariamente embalados em plástico.
  • Recusar faturas impressas quando estas são também enviadas digitalmente.
  • Recusar cartões de visita e optar por fotografar os mesmos.

 

Reduzir

Vivemos num tempo em que o estímulo para a compra, seja através da constante publicidade, seja pelo fator conveniência, parece inevitável. E compramos, compramos, inutilmente. Vamos amontoando coisas que não fazem sentido, de que já não precisamos ou que já não nos trazem felicidade. Parar para «destralhar» dá-nos a oportunidade de reduzir ao essencial o que temos («menos é mais») e dá-nos também a oportunidade de rever os nossos hábitos de consumo, detetando verdadeiras necessidades e assinalando aquilo que, afinal, não precisamos de adquirir. Reduzir é praticar um consumo consciente e responsável. Mas, atenção, reduzir não pode ser sinónimo de descartar impunemente o que temos; se assim for, estamos a gerar mais lixo, não a reduzi-lo.

Para reduzir

  • Pensar antes de comprar, ou adquirir, ou receber novos objetos.
  • Caso se confirme a necessidade de adquirir, privilegiar a compra em segunda mão.
  • Planificar melhor as nossas compras e ter noção real do que precisamos.
  • Comprar menos e apostar mais na qualidade, não na quantidade.
  • Doar a instituições cujo trabalho acompanhemos de perto; emprestar, trocar, vender aquilo de que não precisamos (é uma boa maneira de reunir os amigos e os vizinhos ou de dinamizar e juntar a comunidade e fomentar a economia circular local).
  • Tentar fazer os próprios produtos (DIY) e encontrar alternativas entre os recursos que já possuímos.

Reutilizar

Juntamente com «Recusar», «Reutilizar» é o nosso grande aliado neste desafio. E o melhor? Se reutilizamos, não compramos e, se não comprarmos, evitamos nova extração de matérias-primas, energia associada à produção, ao transporte, bem como o impacto que o descarte do objeto pode ter.

Quando o praticamos, mudamos também o nosso paradigma de pensamento; passamos a valorizar a longevidade, a cuidar melhor do que possuí-mos (consertar, reparar), a amar mais o que temos. O impulso deixa de ser comprar e descartar, transformando-se criativamente em repetir o uso ou dar nova vida ao que já adquirimos.

Além de ser uma das melhores armas contra os descartáveis, este passos têm ainda efeitos financeiros imediatos, com curando uma poupança inegável.

O QUE PODEMOS REUTILIZAR? PRATICAMENTE TUDO! ALGUMAS IDEIAS.

• Os frascos que já temos em casa, em função do seu tamanho, podem ser usados como garrafas, copos, marmita, recipientes para compras a granel, para congelação, para armazenamento no frigorífico, objetos decorativos…

• Os sacos que fomos recebendo (de plástico, de pano…) e acumulando são ótimos para transportar as compras.

• Caixas de cartão podem ser usadas para expedição ou mudanças, ou como organizadores.

  • Guardanapos de pano.
  • Talheres.
  • Marmitas e tupperware (para levar para o trabalho, para pedir takeaway, para ir à pastelaria).
  • Toalhas, lençóis e roupas antigas podem transformar-se em panos de limpeza, toalhitas desmaquilhantes e sacos para compras.

Reciclar

A reciclagem é uma parte essencial da gestão dos resíduos, mas não pode ser encarada como solução única para reduzir o desperdício. Não é por acaso que, na pirâmide dos R, aparece depois de «Recusar», «Reduzir» e «Reutilizar». 

Investigue na sua área qual a entidade responsável pela reciclagem. Perceba em detalhe quais os tipos de resíduos que devem ir para cada eco-ponto e quais não podem ir, sob pena de contaminarem o respetivo uso. Averigue se e quando é feita a coleta seletiva. Procure também saber que instituições perto de si recebem os resíduos tóxicos ou perigosos e qual a farmácia mais perto para entregar medicamentos antigos. É muito útil (e muitas das empresas de tratamento de resíduos disponibilizam-no online) ter sempre em casa (por exemplo, afixado no frigorífico) o gráfico com os dias da recolha seletiva. Se, durante este processo inicial, detetar lacunas, se achar que faz falta um programa específico, entre em contacto com as devidas autoridades, faça chegar o seu e-mail, telefone, seja proativo, use a sua voz de forma construtiva para o efeito.

A Quercus criou uma app, a WasteApp (iPhone e Android), que ajuda a separar corretamente os resíduos e a encontrar o destino adequado para os bens de que nos queremos desfazer, indicando a localização mais próxima para a deposição de diferentes tipos de resíduos, incluindo os mais específicos e aqueles que levantam mais dúvidas. Vai encontrar resposta para o destino de cerca de 50 tipologias de resíduos diferentes.

 

Compostar

Compostar é também reciclar, dar uma nova vida aos resíduos orgânicos. Correspondendo a cerca de 50% dos resíduos que geramos, o seu destino mais recorrente é o aterro, uma vez que são descartados como lixo indiferenciado. Quando isso acontece, a matéria orgânica é simplesmente enterrada e desfaz-se por um processo anaeróbio, gerando gás metano. Ora, não faz sentido enterrar algo tão valioso. Através da compostagem, esta matéria orgânica transforma-se em adubo e fertiliza o solo, devolvendo-lhe os nutrientes, sequestra o carbono, sob a forma de celulose, e, assim, aquele permanece no solo por mais tempo, antes de se converter em gás metano ou dióxido de carbono.

Entre em contacto com a junta de freguesia ou câmara municipal da sua área de residência, para se informar de possíveis programas de compostagem ou de hortas comunitárias que possam receber os resíduos orgânicos, caso não consiga fazer compostagem doméstica. Fale com os produtores do mercado local ou com quintas nos arredores, para examinar a possibilidade de aceitarem o seu «balde» semanal de matéria orgânica.

A este modelo de sustentabilidade poderíamos ainda acrescentar novos«R», subjacentes aos anteriores. Destaco: Reparar (para prolongar a vida dos objetos, de maneira que possam ser reutilizados); Repensar (o nosso consumo, as nossas ações e o seu impacto ambiental).

Assim, e voltando à nossa inspiração – Bea Johnson, “ao reduzirmos o lixo em nossa casa, concluiremos que a filosofia«desperdício zero» é a antítese daquilo que anteriormente teríamos imaginado. Não nos toma mais tempo e dinheiro: uma vez implementado, este estilo de vida permite-nos poupar tempo e dinheiro! É um estilo que não significa privações; em vez disso, enriquece a vida e proporciona uma maior disponibilidade para nos dedicarmos ao que mais importa: família, amigos, novas experiências, um estilo de vida com o lema Ser em vez de Ter. Desperdício Zero não é uma tendência, é uma necessidade.”