Eunice Maia X Companhia: Em boa Companhia, Bea Johnson

Quem é esta mulher que leva um cesto enorme carregado de frascos de todos os tamanhos para dentro de um supermercado e se serve diretamente dos dispensadores da quantidade de alimentos de que precisa? E como é que possível que a sua família só produza um frasco de lixo por ano?!!! Como assim?!!!

Estávamos em junho de 2015 e nunca tinha ouvido falar nem de Bea Johnson nem do estilo de vida “zero waste”. Estava por isso longe de imaginar da revolução que a minha vida iria sofrer, inspirada pelo seu exemplo. Mas a verdade é que tudo começou aí, nesse momento de perplexidade e estranheza perante esse gesto descrito numa reportagem com que aleatoriamente me cruzei na internet. Fiquei absolutamente rendida e fascinada. Bea contou, com uma sinceridade desarmante e com um apurado sentido de humor, como, na sequência de um momento de crise económica, se vira obrigada a mudar-se com a família para um apartamento mais pequeno e, por esse motivo, a armazenar grande parte dos seus bens. E a viragem acontece também nesse momento, através da consciência de que não era, afinal, necessário acumular tanta coisa. Com menos, eram mais felizes, menos sedentários, e tinham mais tempo para se dedicarem ao que realmente importa: os afetos, os laços reais que os uniam. De forma forma divertida e irónica, partilhou um olhar sobre a sua vida anterior, de “Barbie” com extensões e Botox – palavras suas -, para confessar o vazio e a futilidade dessa existência que se organizava em torno do “ter”, em detrimento do “ser”. A viagem que começara, juntamente com a família, ia precisamente no sentido inverso.

A partir desse dia e desse vídeo, seguiria de perto o seu trabalho de «embaixadora zero waste»: do livro ao blogue, das palestras e tournées internacionais aos artigos e reportagens na comunicação social e aos primeiros passos na criação de uma plataforma digital, uma aplicação que reúne todas as lojas e espaços com comércio a granel (BULK App).

Foi graças ao seu exemplo e influência, que criámos o conceito da Maria Granel e a sua missão. E que eu comecei devagarinho a minha caminhada de redução de desperdício.

Mais tarde (ainda hoje confesso que nem acredito!) tive o privilégio de conhecer pessoalmente a Bea, depois de a convidar para vir pela primeira vez a Portugal dar uma conferência, em julho de 2016. Seguir-se-ia também o lançamento na nossa loja da edição portuguesa do seu livro Desperdício Zero.

 

Nesta obra, apresenta e desenvolve a sua metodologia, aplicada pela sua família em ambiente doméstico. É simples, mas revolucionária, baseando-se em cinco passos fáceis:

«Recuse aquilo de que não precisa; reduza aquilo de que precisa; reutilize aquilo que consumir; recicle o que não puder recusar, reduzir ou reutilizar; e composte tudo o resto.»

 

Estes passos devem ser dados nesta ordem e atuam simultaneamente ao nível da prevenção dos resíduos (primeiro e segundo), do consumo mais consciente (terceiro) e do processamento do desperdício (quarto e quinto).

Quando refleti pela primeira vez sobre esta perspetiva e sobre esta proposta, percebi o seu poder e o seu carácter disruptivo. Na verdade, de nada interessa continuarmos a produzir e a consumir e a reciclar como se não houvesse amanhã e como se os recursos fossem inesgotáveis. O problema não está apenas na forma como descartamos (crentes de que estamos a «deitar fora» e a fazer sumir o desperdício), mas, sobretudo, no modo como consumimos desenfreadamente. O momento em que me apropriei do que acabei de enunciar foi decisivo para a minha mudança. Foi com a Bea que aprendi a dizer «não» (recusar) e a diminuir a apetência pelo consumo impulsivo (reduzir). Para mim, essa foi uma das suas grandes lições.

A outra lição não está no livro (ou até está, pelo menos nas entrelinhas!) e prende-se com a forma como nos relacionamos com os outros, com a sociedade, depois de começarmos um caminho de redução de desperdício. Em situação alguma, durante todos os momentos em que estivemos juntas e a conviver com outras pessoas, incluindo em contextos institucionais mais ou menos formais, houve algum esboço de julgamento, de fundamentalismo ou de extremismo por parte da Bea. Bem pelo contrário; a sua postura, sem nunca abdicar dos seus valores, é sempre de um contagiante otimismo, de alegria, de disponibilidade para ouvir e para apoiar, com um entusiasmo inesgotável e uma dose de equilíbrio, autocrítica e humor (basta ler — e sorrir — com a forma honesta e divertida como relata a sua experiência com o vinagre no cabelo ou a tentativa para acabar com o papel higiénico lá em casa).

Sem dúvida, a Bea transformou, com o seu exemplo, com os seus gestos, a ecologia em algo cool (uma «ecoologia»), resgatando-a de um certo limbo conotado com hippies ou extremistas — e isso tem, quanto a mim, muito mérito porque torna, na cabeça das pessoas, a revolução zero waste em algo não só possível, mas também desejado, algo a que vale a pena aspirar, uma utopia por que vale a pena lutar. Ou seja, a Bea contribuiu, mesmo que inadvertidamente, para que o movimento que fundou, além do alinhamento com a sustentabilidade, se dotasse igualmente de uma faceta estética e de uma dimensão aspiracional. Não tenho a menor dúvida de que este é também um dos motivos pelos quais ela se transformou tão celeremente em modelo e referência matricial da geração millennial, inspirando milhares de pessoas (e famílias!) em todo o mundo.